terça-feira, 19 de junho de 2012

Do românico restaurado



(a Igreja de Cedofeita em 1861)

As obras de restauro empreendidas na primeira metade do século XX, autênticas operações de cirurgia arquitectónica, alteraram profundamente o carácter dos edifícios românicos, tentando conferir-lhes uma unidade estilística, um asseio estético que muito provavelmente alguns deles nunca tiveram.


(a Igreja de Cedofeita, em meados dos anos 40 do século XX)

Como se os edifícios românicos tivessem sido construídos rápida e ordenadamente – sabemos que geralmente assim não foi – e como se o tempo, no que ele traz de deterioração, recuperação, e também de moda, nunca por eles tivesse passado.






Mesmo assim, adoramos o resultado, por muito desvirtuante que seja do românico original (mas haverá alguma vez a possibilidade de recuperá-lo?) sobretudo no que ele trouxe de imagem medieval de sobriedade ao edifício. Foi uma das razões que nos levou a escolher a Igreja de São Martinho de Cedofeita.

Igreja de São Martinho de Cedofeita: o templo românico


A construção que hoje vigora precede da viragem para o século XIII. Um documento do reinado de D. Afonso II, datado de 1218, menciona a reconstrução do edifício ao tempo de D. Afonso Henriques. Com base em informações dos próprios abades e cónegos regrantes, o monarca faz saber que «D. Afonso, nosso senhor e avo [Afonso Henriques] reparara o dito mosteyro e anovadamente o dotara», mas até ao momento não foi possível confirmar arqueologicamente esta indicação.

No entanto, esta igreja já aparece referenciada em dois documentos de 1120, uma bula papal de Calisto II (em que apenas se cita o mosteiro) e a doação do Couto de Portucale pela rainha D. Teresa ao Bispo D. Hugo:


(clicar aqui para espreitar a transcrição deste documento)

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Igreja de São Martinho de Cedofeita: missas garantidas com salvo conduto



Conta a tradição que a cidade do Porto foi fundada no ano 417 da nossa era. Pelo espaço de três séculos experimentou três diferentes possuidores: os suevos, que a fundaram; os godos que a conquistaram; e os mouros que dela se senhorearam até ao reinado de Afonso I de Leão.

Durante a vigência moura, a igreja de Cedofeita foi o único templo cristão da área de jurisdição sarracena em que, sem qualquer interrupção, sempre se celebrou o santo sacrifício da missa, mediante um tributo que os cónegos pagavam às autoridades mouriscas. Esse consentimento foi dado através de uma Carta de 'Jusgo', palavra cujo sentido remetia para 'Justiça Perfeita', 'Observância total das leis', 'Igualdade', 'Sossego', 'Paz'.

Era do seguinte teor a referida "Carta de Jusgo":
«Abdelassis Abhrem Mahomet, por illah illalah senhor da cidade do Porto, e da gente da Nazareth, pela qual ordeno que os Presbíteros e Christâos do Mosteiro de Cedofeita que morão junto à dita cidade do Porto, e seu mosteiro possuão os seus bens em paz e quietação sem opressão, vexame. ou força dos Sarracenos; com a condição que não digão Missas senão com as portas fechadas e não toquem as suas campainhas; e paguem pelo consentimento 50 pesantes de boa prata anualmente e pos-são sair e vir à cidade com liberdade e quando quizerem, e não vão fora das terras do meu mando sem meu consentimento e vontade; assim o mando; e faço esta carta de salvo conduto, e a dou ao dito Mosteiro para que a possua para seu sossego...».

A poesia da Elsa e do André: AL-KUTHAYYIR (séc. XIII)

Al– Kuthayyir é natural de al-'Ulia (Loulé) e atingiu alguma fama enquanto literato, tendo vivido também em Sevilha e Bugia. Provavelmente devido a alguma critica nos seus escritos direccionada a elementos com proeminência social, foi açoitado e espancado em praça pública e depois expulso para além mar, estabelecendo-se em Minorca.

Calçada portuguesa no Algarve

O que me dá prazer não é o vinho, não!
nem a música, nem o canto.
Apenas o estudo é o meu encanto,
e a pena, qual espada sempre à mão.

Igreja de São Martinho de Cedofeita: o templo pré-românico

Construída muito provavelmente sobre um templo suevo-visigótico de 559 por voto do rei Teodomiro e sagrado por Lucrécio, Bispo de Braga, em 14 de Outubro desse mesmo ano, terá sofrido duas remodelações até à sua fase plenamente românica.


Os vestígios mais recuados que actualmente se conservam datam dos finais do século IX, ou inícios do seguinte. Por esta altura ter-se-á reconstruído o templo com dois capitéis do arco triunfal que posteriormente foram reaproveitados na reconstrução românica. Antes da fase actual houve ainda uma nova intervenção no século XI patrocinada, ao que tudo indica, por D. Pedro, Bispo de Braga, que o chegou mesmo a sagrar. Desta obra restam as partes baixas da capela-mor com as suas arcarias cegas assentes em bases arcaicas.

A poesia da Elsa e do André: IBN’ARABI (1165-1240)


Ibn Arabi foi um místico sufi, filósofo, poeta, alquimista, viajante e sábio hispano-muçulmano do al-Andalus, natural da Taifa de Múrcia. 

As suas importantes e numerosas contribuições em distintos campos das ciências islâmicas valeram-lhe os títulos de Vivificador da Religião (em árabe محيي الدين Muhyi al-Din) e Mestre supremo (em árabe الشيخ الأكبر as-Sheij al-Akbar).

Ibn Arabi foi o mais profícuo escritor de textos dedicados ao sufismo, com pelo menos 239 obras catalogadas, das 350 que redigiu. Em densos tratados filosóficos, proclamou a complementaridade das religiões. Faleceu em Damasco, onde se estabelecera em 1223 e onde combinou o ensino e a escrita com uma intensa actividade social e política, aconselhando reis e governantes, alguns dos quais seus alunos. Eis uma das suas mais célebres composições:

Oh, maravilha!
Um jardim no meio de chamas!


Meu coração está aberto a todas as formas:
uma pastagem para gazelas,
um claustro para os monges cristãos,
um templo para ídolos,
a Ka’ba onde rumam os peregrinos,
as tábuas da Torah
e os pergaminhos do Corão.


Eu professo a religião do amor.
Para onde quer que se encaminhe a minha caravana,
Esta é a minha certeza,
Esta é a minha fé.

Igreja de São Martinho de Cedofeita: monumento Nacional


A Igreja de São Martinho de Cedofeita foi classificada como Monumento Nacional pelo Decreto16-06-1910, DG 136, de 23 de Junho de 1910


A poesia da Elsa e do André: IBN 'ABDÛN (1050-1134)

Nascido em Évora no século XI, Ibn 'Abdûn estudou primeiro em Badajoz, orientado por alguns dos mais importantes mestres do seu tempo, e mais tarde em Córdova. Para além da esmerada formação clássica, com vastos conhecimentos históricos e linguísticos, tinha uma memória prodigiosa. Conta-se que saberia de cor todo Kitabo-il-Agani, um longo cancioneiro árabe, que colige tradições, trovas e poemas, uma espécie de livro sagrado muçulmano. 
O mais famoso poeta e intelectual da Évora islâmica, fo secretário de governantes ilustres e ficou célebre por ter composto uma elegia sobre a queda da dinastia dos Aftasidas, a Qasîda 'Abdûnia, que lhe granjeou para sempre um lugar de destaque na poesia árabe. Morreu em Évora no ano 529 da hegira (1134-35).

Meu irmão, a aurora vem
Feita de luz e esplendor
Ofertando assim à noite o véu.
Sorve já a matutina
Bebida que a alva traz
E, como se presa fosse,
Toma a alegria do dia
Pois da tarde nada sabes...
Meu irmão, toca a erguer!
Olha a festa da manhã
No jardim gelando o vinho.
Não durmas, é hora de levantar.
E, como se presa fosse,
Toma a alegria do dia
Já que sob o pó da terra
Longo será o teu sono.

A pesia da Elsa e do André: IBN SÂRA (séc.XI-m.1123)

Abû Muhammad ‘Abd Allah ibn Muhammad ibn Sâra ash-Shantarinî nasceu em Santarém, na segunda metade do século do século XI. Foi contemporâneo de Al-Mu'tamid e da queda do seu reinado, na sequência da chegada dos almorávidas.
Um dos mais apreciados poetas do seu tempo, profusamente citado, morreu em Almeria, após uma vida atribulada, tendo conhecido todo o Al-Ândalus.


laranjas são brasas vivas sobre ramos
ou rostos espreitando entre colinas verdes?
e a ramaria, folhas que baloiçam
ou formas frágeis que me causam pena?

vejo-te, laranjeira, com os teus frutos,
lágrimas rubras dos tormentos do amor.
são sólidos mas, se fundidos, vinho seriam
moldados pelas mãos mágicas da natureza.
são bolas de cornalina sobre ramos de topázio
à espera do açoite da brisa.
porque tais frutos beijamos,
ou seu cheiro aspiramos,
eis que às vezes nos parecem
ou rostos de raparigas
ou pomos feitos perfume.

Igreja de São Martinho de Cedofeita: a história lendária do edifício

A Igreja de São Martinho de Cedofeita é a igreja mais antiga da cidade do Porto, o edifício primitivo é anterior à própria Sé Catedral


Há duas versões correntes sobre a fundação da Igreja de Cedofeita.

Uns sustentam que foi fundada pelo rei suevo Reciário, que reinou em 446 e que foi o primeiro dos reis suevos a abraçar o cristianismo. Outros dizem que a fundação da igreja se deve ao rei Teodomiro, também suevo, que a terá mandado construir em 14 de Janeiro de 1059 e nela se fez baptizar conjuntamente com o seu filho Ariamiro.
Consta que Teodemiro, não encontrando remédio para a enfermidade de seu filho Ariamiro, recorreu a São Martinho de Tours, cidade onde enviou embaixadores com ofertas de prata e ouro de peso igual ao do filho enfermo. E com tanta fé Teodomiro acreditou neste milagre que logo a seguir à partida dos seus embaixadores ordenou que se começasse a construção de uma igreja em honra de S. Martinho.
O empenho posto no levantamento do templo foi tal que quando os embaixadores chegaram com as relíquias já ela estava concluída. E foi devido à rapidez da construção que veio a dizer-se «Cito Facta», 'feita cedo',  'rapidimente construída',  e que terá resultado em CEDOFEITA.
Acabou por ser o Bispo de Braga, São Martinho de Dume, o portador de uma relíquia de São Martinho de Tours, perante a exposição da qual o filho do rei foi curado e todo o povo suevo presente se converteu ao catolicismo. A relíquia está guardada nesta igreja, juntamente com outras do evangelizador dos suevos, São Martinho de Dume.

domingo, 17 de junho de 2012

A poesia da Elsa e do André: AL-MU’TAMID



A história de Al-Mu’tamid está indelevelmente associada ao “Gharb”, ao “Palácio das Varandas”, ao rio Arade (Odarade ou Widrade, como lhe chamaram os autores cristãos), à sua esposa ‘Itimad Ar-Rumaykiyya (é curioso anotar a probabilidade de o cognome “al-Mu’tamid” derivar de uma espécie de anagrama de “‘Itimad”), à sumptuosidade dos palácios sevilhanos, aos prazeres, aos feitos da guerra, à controversa e dramática relação, digna da pena inspiradora de novelistas e dramaturgos, com o companheiro e picaresco poeta de Estômbar, Ibn ‘Ammar (poeta multímodo, tão calculista e aventureiro quanto dotado de talento estadista e diplomata que teve, a certa altura, um papel decisivo como conselheiro de Al-Mu’tamid, chegando a fazer deter Afonso VI, vencendo-o numa célebre partida de xadrez em que jogaram as sortes da batalha) e à juventude de ambos ocorrida em Silves, numa existência que se distribuía entre saraus literários, os prazeres espirituais da poesia, da dança, da música e do estudo, de encantamento sem par, do harém e da caça, talento, sagacidade, primor, dias de tragédia e de luta...


Com a morte de Ibn ‘Ammar, apressa-se o fim político de Al-Mu’tamid, ao perder o seu mais hábil conselheiro, político e diplomata, no momento em que as arremetidas e exigências de Afonso VI se tornavam mais ameaçadoras do que nunca.


Para o ajudar a combater as tropas cristãs, nos campos a norte de Murcia (Mursiyya), Al-Mu’tamid toma a funesta resolução de clamar pelo auxílio do astuto e rigorista Yussuf Ibn Tashfin, senhor dos Almorávidas, vindo dos confins do Sahara. Tal auxílio revela-se, pontualmente, persuasivo, já que as alentadas hostes cristãs são, de facto, completamente neutralizadas, em 1086, na batalha a que os árabes chamaram Zallaqa e os cristãos Sagrajas, a nordeste de Badajoz. Depois de depor o rei de Granada, Yussuf apodera-se, sucessivamente, de todos os reinos taifas até chegar a Sevilha, em 1091 (484 d.H.), acabando por aprisionar Al-Mu’tamid levando-o, juntamente com os membros que restam da família real, para o cativeiro.


Desterrado primeiro para Tânger, posteriormente em Meknés e depois Aghmat, uma obscura povoação na orla da cordilheira do Atlas marroquino, no meio de esparsos olivais a fazer lembrar uma paisagem alentejana, foi forçado a uma existência de miséria e reduzido à prisão. Ali compôs os mais inspirados e sentidos versos de toda a sua obra
.

Enterrado no cemitério local de Aghmat e a sua campa tornou-se local de peregrinação de poetas. Ainda hoje a sua memória permanece viva, muito em especial no mundo árabe; tanto assim, que o seu túmulo em Agmat é objecto de piedosas romagens.


Um dos seus poemas consta das Mil e Uma Noites.
Ó minha única eleita
de entre toda a humanidade:
estrela! lua a brilhar!
haste erguida e escorreita
gazelita no olhar.
da flor tu és o alento
és a brisa perfumada,
minha dona, meu sustento,
e grilheta bem-amada.
cego ficaria e surdo
para que fosses resgatada.
chama-me! eu logo acudo.
diz-me! será curada
a ardência do meu coração
com o fresco toque dos dentes
que na tua boca estão?

A poesia da Elsa e do André: AL-MU’TAMID (1040-1095)

Agora que os convites foram todos entregues, sugeriram-nos que publicássemos aqui os poemas que os acompanham.

O autor mais antigo é Muhammad ibn 'Abbad al-Mu'tamid, um dos mais importantes representantes da poesia luso-árabe. 

É raro encontrar qualquer obra escrita no “Al-Andalus”, científica ou não, que não esteja adornada com composições poéticas. A mais idiossincrásica forma de cultura árabe sempre foi a poesia, a arte do verbo que nasceu para fazer companhia ao beduíno, seguindo a cadência da sua montada, na solidão do deserto. Talvez não seja por acaso que “verso” em árabe se diga “bait”, que significa simultaneamente “casa”, e “palavra” se pronuncie “mufrad”, de “fard”, “indivíduo”.
No Portugal do “Al-Andalus”, a poesia fazia parte do quotidiano e era prática comum, não só nas mansões com os seus jardins e vergéis ou nas alcáçovas, de senhores e próceres, mas ainda pelo povo humilde que arroteava os campos na faina da lavoura. Nas cortes, perante os vizires, os políticos adornavam as suas prédicas versejando e romanceando habilidosas metáforas. Todo o cavaleiro, antes de desembainhar o sabre para se arrojar estoicamente à alucinação da peleja, titubeava um poema em forma de oração. Homens e mulheres do “Al-Gharb” eram poetas, poetas do panegírico, da paixão, da saudade, do drama, da graça e dos amores infelizes, por ser infeliz o destino que os marcou.

É nesta conjuntura que nos surge a figura de Al-Mu’tamid, mascido em Beja, de uma família de poetas. Nomeado, aos onze anos de idade, foi  governador nominal de Huelva, cujo reino taifa (do árabe “at-taua’if”, que significa “fracção”, “partido”, governados por soberanos designados de “muluk at-taua’if”, “reis de partidos”) abarcava cidades como Sevilha, Córdova, Mértola, Silves, Faro, Huelva, Carmona, Ronda, Algeciras, Niebla, Jaen, Murcia e Beja, herdando o trono, em 7 de Fevereiro de 1069, por execução do seu irmão Ismail, ordenada pelo próprio pai para castigar uma suposta traição.

Na sua corte taifa hispalense reuniram-se alguns dos maiores estudiosos e homens das artes da época, como o astronómo Al- Zarqali (Arzaquel), o geográfo Al-Bakri ou os poetas Ibn Hamdis, Ibn al-Labbana e Ibn Zaydun.

Solta a alegria! Que fique desatada!
Esquece a ânsia que rói o coração.
Tanta doença foi assim curada!
A vida é uma presa, vai-te a ela!
Pois é bem curta a sua duração.

E mesmo que tua vida acaso fosse
De mil anos plenos já composta
Mal se poderia dizer que fora longa.
Que seres triste não seja a tua aposta
Pois que o alaúde e fresco vinho
Te aguardam na beira do caminho.

Que os cuidados não sejam de ti donos
Se a taça for espada brilhante em tua mão.
Da sabedoria só colherás a turbação
Cravada no mais fundo do teu ser
É que, de entre todos, o mais sábio
É aquele que não cuida de saber.



A igreja mais bonita do Porto...


São Martinho de Cedofeita

13 dias...


para admirarmos todos o sol demorar-se (please, please, please...) no granito

sábado, 16 de junho de 2012

sexta-feira, 15 de junho de 2012

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Faltam 17 dias

para atravessarmos a porta por debaixo desta inscrição...


E esperamos encontrar-vos por lá, para partilharem a nossa felicidade.


Até breve!


Elsa & André