domingo, 17 de junho de 2012

A poesia da Elsa e do André: AL-MU’TAMID



A história de Al-Mu’tamid está indelevelmente associada ao “Gharb”, ao “Palácio das Varandas”, ao rio Arade (Odarade ou Widrade, como lhe chamaram os autores cristãos), à sua esposa ‘Itimad Ar-Rumaykiyya (é curioso anotar a probabilidade de o cognome “al-Mu’tamid” derivar de uma espécie de anagrama de “‘Itimad”), à sumptuosidade dos palácios sevilhanos, aos prazeres, aos feitos da guerra, à controversa e dramática relação, digna da pena inspiradora de novelistas e dramaturgos, com o companheiro e picaresco poeta de Estômbar, Ibn ‘Ammar (poeta multímodo, tão calculista e aventureiro quanto dotado de talento estadista e diplomata que teve, a certa altura, um papel decisivo como conselheiro de Al-Mu’tamid, chegando a fazer deter Afonso VI, vencendo-o numa célebre partida de xadrez em que jogaram as sortes da batalha) e à juventude de ambos ocorrida em Silves, numa existência que se distribuía entre saraus literários, os prazeres espirituais da poesia, da dança, da música e do estudo, de encantamento sem par, do harém e da caça, talento, sagacidade, primor, dias de tragédia e de luta...


Com a morte de Ibn ‘Ammar, apressa-se o fim político de Al-Mu’tamid, ao perder o seu mais hábil conselheiro, político e diplomata, no momento em que as arremetidas e exigências de Afonso VI se tornavam mais ameaçadoras do que nunca.


Para o ajudar a combater as tropas cristãs, nos campos a norte de Murcia (Mursiyya), Al-Mu’tamid toma a funesta resolução de clamar pelo auxílio do astuto e rigorista Yussuf Ibn Tashfin, senhor dos Almorávidas, vindo dos confins do Sahara. Tal auxílio revela-se, pontualmente, persuasivo, já que as alentadas hostes cristãs são, de facto, completamente neutralizadas, em 1086, na batalha a que os árabes chamaram Zallaqa e os cristãos Sagrajas, a nordeste de Badajoz. Depois de depor o rei de Granada, Yussuf apodera-se, sucessivamente, de todos os reinos taifas até chegar a Sevilha, em 1091 (484 d.H.), acabando por aprisionar Al-Mu’tamid levando-o, juntamente com os membros que restam da família real, para o cativeiro.


Desterrado primeiro para Tânger, posteriormente em Meknés e depois Aghmat, uma obscura povoação na orla da cordilheira do Atlas marroquino, no meio de esparsos olivais a fazer lembrar uma paisagem alentejana, foi forçado a uma existência de miséria e reduzido à prisão. Ali compôs os mais inspirados e sentidos versos de toda a sua obra
.

Enterrado no cemitério local de Aghmat e a sua campa tornou-se local de peregrinação de poetas. Ainda hoje a sua memória permanece viva, muito em especial no mundo árabe; tanto assim, que o seu túmulo em Agmat é objecto de piedosas romagens.


Um dos seus poemas consta das Mil e Uma Noites.
Ó minha única eleita
de entre toda a humanidade:
estrela! lua a brilhar!
haste erguida e escorreita
gazelita no olhar.
da flor tu és o alento
és a brisa perfumada,
minha dona, meu sustento,
e grilheta bem-amada.
cego ficaria e surdo
para que fosses resgatada.
chama-me! eu logo acudo.
diz-me! será curada
a ardência do meu coração
com o fresco toque dos dentes
que na tua boca estão?

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